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No mundo dos seguros, a intervenção continua


Crédito: Pedro França/Agência Senado

Com a eficácia da Resolução CNSP 382/2020, venda de seguros aerados com alta rentabilidade tem seus dias contados

A autarquia fiscalizadora das operações de seguros no Brasil é a Superintendência de Seguros Privados (Susep). A Susep é a verdadeira alma do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), órgão com competência para emitir normas de regulamentação do setor, nos limites da lei. Os atos normativos do Conselho são pensados, redigidos e divulgados pela Susep.

Para a surpresa dos que acreditavam que o atual governo aliviaria a intervenção estatal no setor de seguro, acontece exatamente o contrário. Está sendo escrito um capítulo intervencionista, uma espécie de venire contra factum proprium dos liberais no poder.

Os funcionários da Susep, em geral, são especialmente bem formados e têm espírito republicano. Mesmo assim, muitas vezes viram-se remando contra o vento e foram levados às rochas, pois a Susep já se viu capturada pelos que formulam atos de governo para atender a interesses próprios, de padrinhos ou de representados.

Atualmente, a entidade vem formulando um sem número de atos normativos. Se todos parecem coordenados por uma mesma ideologia, alguns atropelam o sistema jurídico, outros parecem cair como uma luva para os resseguradores estrangeiros. Há os que poderão colocar em xeque a atual administração porque ameaça o modelo de negócio de instituições financeiras muito poderosas.

Entre as normas mais polêmicas, encontram-se a tentativa de extinção do seguro DPVAT, a equiparação a seguradoras dos planos de saúde e outras entidades, para fins de contratação direta de resseguro, e a criação de uma espécie de cartório de registro de apólices e outros documentos conexos.

Entretanto, sobem a temperatura e a pressão com as normas que pretendem dar transparência às despesas de intermediação das operações contratuais, por serem capazes de expor a público práticas altamente abusivas que são os pilares mestres de poderosos grupos financeiros atuantes no país.

O caso do DPVAT

Entre os principais serviços de seguro, encontra-se esse seguro obrigatório que protege as vítimas dos acidentes de trânsito. São muito poucos os brasileiros que contratam seguro facultativo de responsabilidade civil automobilística. Ao mesmo tempo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o terceiro colocado do ranking mundial de mortes por acidentes de trânsito, o que basta para mostrar a importância que o DPVAT poderia ter para a sociedade.

Criado nos anos 1970, o seguro DPVAT, sigla de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de vias Terrestres, recebeu ampla adesão social. Quanto mais crescia a base segurada, formavam-se vultosas reservas financeiras e multiplicavam-se os abusos.

Apesar de serem irrisórias as indenizações pagas às vítimas, as comissões para corretores de seguro e seus prepostos algumas vezes chegaram, nos anos 1980, a 80% sobre os prêmios arrecadados. Um seguro obrigatório, portanto, de interesse social relevante, para cuja contratação e execução, mesmo em caso de sinistro, o intermediário não tem o que fazer, promovia o enriquecimento abusivo desses mesmos intermediários, e ainda promove em menor escala. Embora os comissionamentos tenham reduzido ao longo dos anos, o pagamento de comissões persistiu por muitas décadas.

Com o tempo, o saque passou a ser repartido. A própria Susep chegou a abocanhar um pedaço para a fiscalização das operações. A certa altura, a Federação Nacional das Seguradoras (Fenaseg) chegou a criar o Comitê de Divulgação do Seguro (Codiseg), uma agência de publicidade cartorial que abocanhava parte dos prêmios arrecadados.

Algumas advocacias que prestavam serviços ao setor segurador eram regiamente remuneradas. A Fundação Escola Nacional de Seguro (Funenseg) recebia outra parte para promover cursos de formação de mão de obra para os setores de seguro e corretagem. A impune dilapidação acabou animando o Ministério da Saúde a reivindicar parte do sequestro, sob o argumento verdadeiro de que as vítimas eram atendidas pela rede médico-hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS).

Com tudo isso, o negócio era lucrativo para as seguradoras e, sendo pífias as indenizações, formou-se uma poupança bilionária.

Apesar de todos os males, havia-se emplacado um gigantesco sistema de seguro para os acidentes de trânsito. Ele foi socialmente aceito porque não doía nos bolsos dos proprietários dos automotores. O problema é que havia abusos e as vítimas e seus beneficiários, para cuja proteção o seguro fora criado, ficavam com as quireras.

Por isso o Projeto de Lei Especial de Contrato de Seguro – PL 3.555/2004, continha um capítulo sobre os seguros obrigatórios para reconduzi-los à amplitude das coberturas, à efetividade econômica das indenizações (art. 139) e a impedir o pagamento de comissões de intermediação indevidas (art. 140).

A atual gestão da Susep, ao invés de aproveitar a aceitação social do seguro obrigatório e reformular profundamente a sua estrutura e gestão para livrá-lo de todos os pecados, preferiu decidiu “cortar o mal pela raiz”. Alardeou a “corrupção” do DPVAT, argumentou que se trataria de uma imposição aos proprietários de veículos que desrespeitaria a “Santíssima Liberdade” de contratar e o governo decidiu extinguir o seguro, expedindo a Medida Provisória n° 904/2019.

A MP foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal e, no fim da história, a Susep deu um passo para trás e reduziu o valor do prêmio, individualmente ínfimo e socialmente aceito, mantendo para as vítimas as indenizações irrisórias que mal pagam modesto sepultamento. Nas reservas bilionárias até agora ninguém mexeu.

Resseguro direto

Outra medida empreendida pela atual gestão da Susep foi a equiparação das operadoras de saúde e das entidades de previdência complementar fechadas e abertas a cedentes de resseguro, posição contratual que a lei claramente reserva às companhias seguradoras. Para isso o CNSP expediu a Resolução n° 380/2020.

O objetivo é viabilizar o chamado “resseguro direto” para sociedades que não se encontram estruturadas como seguradoras, na forma da lei. Pelo olho mágico dessa iniciativa espreitam alguns resseguradores e corretores de resseguros estrangeiros.

Até agora, todas essas entidades contratavam seguro com as seguradoras locais, as quais, por sua vez, resseguravam sua exposição junto a resseguradoras locais ou estrangeiras.

A atividade resseguradora é disciplinada pela Lei Complementar 126/2007 e pelo Decreto-Lei 73/1966, recepcionado pelo ordenamento constitucional como lei complementar. Há quem entenda que, mesmo após a modificação do art. 192 da Constituição Federal resultante da Emenda Constitucional n° 40/2003, a disciplina das atividades securitária e ressecuritária somente pode ser feita por meio de lei complementar.

Foi justamente esse entendimento que prevaleceu por ampla maioria no STF, quando foi suspensa a Medida Provisória extintora do DPVAT.

A Lei Complementar 126/2007 somente permite que sejam “cedentes” de resseguro as sociedades seguradoras e, excepcionalmente, as cooperativas autorizadas a operar seguros privados (art. 2º, §1º, I e §3º). Além disso, só podem atuar como seguradoras aquelas sociedades assim autorizadas, na forma da lei, e sua atividade é vedada para as resseguradoras (LC 126/2007, art. 4° e art. 5° c.c. DL 73/66, arts. 73 e 78).

Se uma resseguradora garante diretamente àquela entidade que não é seguradora, então, nos termos da lei em vigor, o negócio é um seguro e não um resseguro. Afinal de contas, resseguro é a “operação de transferência de riscos de uma cedente para um ressegurador” (art. 2°, § 1°, III) e as operadoras de saúde e as entidades de previdência complementar fechadas e abertas não são seguradoras, nem se encontram legalmente incluídas no rol de “cedentes”.

A Procuradoria da Susep chegou a emitir parecer no sentido de que o assunto dependeria da alteração da LC 126/2007, entendimento alterado de forma a possibilitar a equiparação pretendida por meio de resolução do CNSP. A Procuradoria passou a sustentar que não, no caso das entidades de previdência complementar, a Lei Complementar 109/2001 já havia autorizado que contratassem resseguro (art. 11) e, no caso das operadoras de planos de saúde, isso foi facultado pela Lei 9.656/1998 (art. 35-M).

O vício de inconstitucionalidade da resolução é supino. O CNSP não pode invadir a competência privativa da União para legislar, através do Congresso Nacional, sobre matéria do Sistema Nacional de Seguros Privados, parte integrante do Sistema Financeiro Nacional, quer regida por lei complementar (CF, art. 192), quer por lei ordinária (CF, arts. 22, incs. I e VII).

Se é verdade que normas jurídicas autorizam genericamente as entidades a contratarem resseguro, a Lei Complementar 126/2007, que é posterior, não permite nem que as resseguradoras atuem como seguradoras diretas de planos de saúde ou entidades de previdência, nem autoriza ressegurar-se quem não seja “cedente”, assim considerada na forma da lei.

Ainda que se possa argumentar que a medida tenha por bom propósito reforçar a solvabilidade das entidades não seguradoras, evitando a interposição destas, o fato é que se trata de ato que viola a Constituição Federal e desagrega o regime de proteção legal do próprio sistema de seguros. Há quem diga que o próximo passo será a tentativa de abertura do sistema de resseguro, também por meio de resolução, para as associações que atualmente operam ilicitamente a atividade de seguro.

As estruturas mutualísticas em geral são bem-vindas à economia, mas é necessário que isso ocorra de forma bem pensada para proteger todo o sistema. Para isto acontecer o primeiro requisito é o respeito à legalidade.

Registro compulsório de títulos securitários. A Susep emprenhou-se pela Resolução CNSP 383/2020 que obriga as seguradoras e demais entidades fiscalizadas levarem a registro “o conjunto de eventos e transações referentes a uma mesma apólice, bilhete, contrato, certificado, título ou série de uma mesma supervisionada” (art. 2º, II). O registro deve obedecer a sistemas previamente homologados pela autarquia que serão administrados por sociedades registradoras credenciadas pela mesma (art. 3º, I e II).

Não se discute a importância da facilitação dos trabalhos de fiscalização por meio da interação com base amigável de dados. É esperado que a Susep possa, a qualquer tempo, inspecionar os registros operacionais das seguradoras.

Desde o exame da solvência das seguradoras, dos acúmulos de responsabilidades retidas, até o seu comportamento operacional na ponta da execução dos contratos de seguro, tudo isso justifica a exigência de base de dados de fácil acesso e formatada de acordo com padrão que simplifique, verticalize, barateie e agilize a fiscalização.

Entretanto, as companhias de seguro já são obrigadas a manter registros de suas operações e a obedecer a uma rotina de informações por meio da transmissão eletrônica, no sítio da Susep, dos chamados Formulários de Informações Periódicas (FIP).

Não se justifica criar uma espécie de cartório de registro de documentos securitários externo, elevando os custos de transação que, no fim das contas, serão repassados para os contratantes de seguro.

Basta para bem assegurar a eficiência fiscalizatória o aprimoramento das exigências de suporte e de conteúdo das informações. Isso também asseguraria a confidencialidade dos dados e a economicidade do tráfego de informações.

Outro ponto importante a respeito da Resolução CNSP 383/2020 é que ela não esclarece quais são os atos que devem ser levados ao registro. O art. 6º diz que deverão ser levados a registro “todos os eventos e transações relativos a uma mesma operação”.

A pergunta é: estariam incluídas as cotações, propostas de seguro, inspeções de risco, apólices, endossos, provisões de sinistros a liquidar, relatórios de regulação de sinistro, laudos periciais, recibos de pagamento de capitais ou indenizações, transações celebradas e contratos ou tratados de resseguro relacionados à operação?

Transparência dos custos de intermediação: lucros abusivos com o direito alheio

Após a edição da MP 905/2019 que ao revogar a Lei 4.594/64 extingue o regime de autorregulação para a profissão dos corretores, a autarquia preparou uma normativa importante para o asseguramento da transparência dos custos de intermediação de seguro e previdência, a Resolução CNSP 382/2020.

Entre outras medidas que impactarão as operações das seguradoras, como a criação do “funcionário oculto”, esse ato normativo atribui aos intermediários das operações de seguro a obrigação de revelar as relações de interesse mantidas com outros agentes econômicos securitários (art. 4º, § 1º, incisos I a III) e as remunerações a receber (idem, IV).

A transparência dos custos de intermediação é preocupação que havia sido trazida no Projeto de Lei Especial de Contrato de Seguro – PL 3.555/2004, atualmente PLC 129/2017, cuja tramitação diz-se que está adormecida a pedido da área econômica do governo e da BB Seguridade na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. O artigo 56, XII, do PLC prevê que devem constar obrigatoriamente das apólices de seguro “o valor, o parcelamento e a estrutura do prêmio”.

A Resolução CNSP 382/2020 poupou os intermediários de resseguro (art. 2º, V), que atuam na fase menos visível da formação do negócio securitário, quando muitas vezes as comissões de intermediação são milionárias e desproporcionais (isso veio a público com a delação premiada do Sr. Pedro Barusco, o capítulo securitário da “Lava Jato”, envolvendo a Sete Brasil, seguradoras, resseguradores e intermediários de seguro e resseguro nacionais e estrangeiros).

Apesar desse senão, o ato normativo está aborrecendo muitas instituições financeiras e os profissionais da intermediação.

Irritado com o modo pelo qual os governos estaduais vêm se posicionando para combater a pandemia de Covid-19 e o agravamento da crise econômica, o presidente do Banco do Brasil veio a público para criticar o “grande Estado assistencialista” e os “governadores e prefeitos

[que] impedem a atividade econômica e oferecem esmolas, com o dinheiro alheio, em troca”.

A irritação provavelmente está associada ao asseguramento da transparência dos ganhos da intermediação que põe em risco os negócios mais rentáveis para o conglomerado sob sua liderança.

Se o banco não detém formalmente os controles, participa com hegemonia de todas as empresas do grupo e por acordo de acionistas indica o presidente da BrasilPrev, onde é sócia a norte-americana Principal, o da BrasilCap, onde são sócias a SulAmérica, a Icatu e outras, o da BrasilSeg, onde é sócia a Mapfre, e o da DENTAL, em que é sócia a Bradesco Seguros.

Diversas seguradoras, como essas integrantes da BB Seguridade, vivem da venda de produtos sem proveito algum para os segurados cujas receitas são drenadas pela criação artificial de despesas de comercialização ou intermediação pagas em favor de empresas do mesmo grupo da seguradora pagante. Negócio da China para as instituições financeiras!

A definição de “intermediário” da Resolução abrange “o responsável pela angariação, promoção, intermediação ou distribuição de produtos de seguros, de capitalização e/ou de previdência complementar aberta, tais como o corretor de seguros, o representante de seguros, o correspondente de microsseguros, o distribuidor de título de capitalização, dentre outros executores das atividades enumeradas neste inciso” (art. 2º. , V).

Dessa forma, passou a ser obrigatória a revelação pelas seguradoras aos clientes “de sua remuneração pela intermediação do contrato, acompanhado dos respectivos valores de prêmio comercial ou contribuição do contrato a ser celebrado” (art. 4º, IV).

Para entender o impacto da Resolução 382/20 é necessário falar de números. Nada melhor do que os resultados de 2019 divulgados no sítio eletrônico da Susep com base nas informações periódicas prestadas pelas empresas supervisionadas (seguro, previdência e capitalização).

As despesas de intermediação são gigantescas. Atingiram a cifra de R$ 29 bilhões de reais. Isso é quase um quarto do orçamento da Saúde Pública do Brasil de 2019.

Mais de um terço desses pagamentos (R$ 10,5 bilhões) foram feitos pelas principais instituições financeiras do país (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú, Safra e Santander). São companhias que detêm 93% do mercado de previdência com regime de capitalização (VGBL, PGBL etc.) e 58% das operações de seguros de riscos pessoais e patrimoniais.

Quase todas essas gigantes pagadoras de contas de intermediação a que a resolução possibilitará atribuir transparência, dispõem de suas próprias corretoras de seguro e utilizam suas redes de agências para a venda dos seus serviços. Enfim, passam do bolso esquerdo para o bolso direito.

Dos R$ 10,5 bilhões, 44% (R$ 4,6 bilhões) foram pagos pelas seguradoras do grupo do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal às suas próprias corretoras, a título de custos de intermediação.

No frigir dos ovos, quase a metade do faturamento da BB Seguridade é oriunda da intermediação de operações de seguro.

As comissões, os pro labores, as participações nos resultados e outras despesas de comercialização representaram, em média, 27,6% dos prêmios ganhos pelas companhias no ano de 2019.

Esses gigantescos resultados auferidos pelos intermediários não são proporcionais aos serviços efetivamente prestados. Em geral, não há qualquer serviço que justifique os pagamentos.

Para se ter ideia da gravidade da situação, enquanto a sinistralidade geral do setor de seguro e previdência foi de 45,3%, entre sinistros pagos e não pagos, as despesas de comercialização somaram 27,6%, sobre os prêmios ganhos. As quantias pagas pela fictícia intermediação consumiram mais da metade dos sinistros avisados.

Nos seguros de vida, as despesas de intermediação renderam 33,2% dos prêmios ganhos, enquanto a sinistralidade foi de apenas 43,1%. Como se vê, 3/4 dos valores de todos os sinistros avisados foram destinados para os intermediadores.

A coisa fica ainda mais escandalosa no chamado seguro prestamista, vendido pelos bancos aos clientes que tomam empréstimos.

Embora se procure induzir à compreensão de que seriam seguros de vida e desemprego, assim facilitando sua venda e obtendo proveito de regime tributário mais favorável, na verdade são seguros de crédito que garantem o recebimento, pelos bancos, daquilo que os mal-afortunados devedores deixarem de pagar em razão da perda do emprego ou de sua morte.

Pois bem, nesses seguros que os consumidores nem mesmo sabem que contrataram e que são vendidos principalmente pelos bancos em seu próprio benefício, e intermediados por eles próprios através de empresas do grupo, as despesas de intermediação consumiram 42% dos prêmios e a sinistralidade foi de apenas 17%, proporções essas que denunciam a imoralidade dessas operações.

No seguro de garantia estendida, outro serviço sem função social e econômica que realmente o valha, fornecido pelas seguradoras, a situação é ainda pior. A intermediação rendeu 63%, contra meros 12% de sinistralidade. Os ganhos dos intermediadores foram quase seis vezes maiores do que todos os sinistros avisados.

Dois outros seguros constituem casos igualmente preocupantes

Os contratos de seguro obrigatório vinculado ao crédito habitacional privado têm despesas de intermediação de 11% e sinistralidade média de 23%, restando 66% para as seguradoras que se acham ligadas, salvo pouquíssimas exceções, à instituição financeira que concedeu o financiamento. As seguradoras da Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil detêm cerca de 70% desse mercado.

O seguro agrícola, reconhecido como instrumento da política agrária pela Constituição Federal (art. 187, IV), faturou 2,4 bilhões de reais, pagou R$ 2 bilhões de indenizações e com as intermediações gastou R$ 270 milhões, ou seja, 12% dos prêmios ganhos.

Acontece que esse seguro foi subvencionado com R$ 440 milhões dos cofres da União. Enfim, mesmo quando a operação de seguro é considerada essencial e subsidiada com recursos públicos, o ganho dos intermediadores continua sendo representativo e é intocável.

Se observarmos, por outro lado, os ramos de seguro em que as negociações financeiras são cuidadas de perto por gestores mais atinados, e o trabalho de intermediação é detectável, as despesas de comercialização não atingem proporções tão assustadoras.

Ao menos na ponta dos contratos de seguro – já que o resseguro continua sendo caixa preta. Os seguros de riscos nomeados e operacionais atingem 6% dos prêmios ganhos, os dos riscos de petróleo 2%, o seguro de responsabilidade de administradores D&O gera comissionamento de 12%. O ramo aeronáutico, cuja contratação exige gigantesco trabalho dos intermediadores, consome 6%.

O Banco do Brasil é um dos que mais lucra com as abusivas despesas de intermediação.

A eficácia da Resolução CNSP 382/2020, acaso não revogada, permitirá a consciência e o controle intestino da intermediação securitária e previdenciária, “negócio da China”, por parte dos contratantes de seguro e dos organismos de defesa de interesses difusos e coletivos, como o Ministério Público Federal.

A venda de seguros aerados com alta rentabilidade teria seus dias contados. Isso põe à flor da pele os nervos dos envolvidos, pois a correção dos abusos colocaria em xeque o real valor e a própria solvência dessas poderosas instituições financeiras cujo modelo de negócio está assentado sobre estruturas de intermediação corrompidas, que, parafraseando o presidente de uma delas, vivem de vender seguros que “oferecem esmolas, com o dinheiro alheio”.

God save the Superintendent.

ERNESTO TZIRULNIK – Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP-SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro e coordenador da CEAAP/LCS/IBDS – Comissão de Elaboração e Acompanhamento dos Anteprojetos e Projetos de Lei de Contrato de Seguro 3.555/2004, 8.034/2010, 477/2013, PLS 8.290/2014 e PLC 29/2017.

Fonte: Portal Jota