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Mais segurança jurídica ao mundo dos seguros

Carência de marco legal adequado impede a consolidação da abertura econômica e integração do mercado de seguros brasileiro.

 

Ernesto Tzirulnik e Vítor Boaventura*

A segurança jurídica proporciona maior previsibilidade aos indivíduos e às empresas e auxilia na estabilização das expectativas normativas. Com efeito, um ambiente de segurança jurídica é também um ambiente no qual as políticas econômicas, independentemente do matiz de sua expressão, têm maiores chances de sucesso. O Projeto de Lei nº. 29/2017, que dispõe sobre o contrato de seguro, expressa o esforço do legislador brasileiro de circunscrever, no setor de seguros brasileiro, um marco legal que ofereça maior segurança jurídica às partes envolvidas no negócio jurídico securitário.

O projeto fixa as bases para o crescimento e a internacionalização do mercado segurador, ao disciplinar as relações contratuais em matéria de seguros, e estabelecer os direitos e obrigações das partes envolvidas. Com isso, o texto harmoniza as expectativas e garante a dispersão de informações de maneira equilibrada entre consumidores, corretores, seguradores, resseguradores. Toda a cadeia de pessoas e empresas envolvidas direta ou indiretamente em um contrato de seguro passaria a ter como referência o mesmo referencial normativo que disciplinaria não apenas a etapa pré-contratual, como também a execução e a resolução contratual.

O projeto é fundamental para que se avance ainda mais em matéria de segurança jurídica na relação jurídica securitária. Ele apresenta um caráter de defesa dos consumidores e beneficiários que se alia à tendência da legislação, da regulação e da jurisprudência dos principais mercados de seguros do mundo, notadamente a Alemanha, a Inglaterra, os Estados Unidos e, em um nível supranacional, a União Europeia.

Entre seus dispositivos, que se destacam por prestar contribuições pela segurança jurídica, estão os de conteúdo conceitual. Eles funcionam como uma espécie de ponto de partida para a argumentação e negociação entre as partes interessadas — a partir da definição dos conceitos são estabelecidos os pressupostos da interação entre as partes. Ao conceituar o contrato de seguro, o de cosseguro, e ao dispor sobre as funcionalidades para os contratos de seguro que têm as operações de resseguro, e produtos específicos da cesta securitária, como as modalidades dos seguros de dano, de vida e da integridade física e de responsabilidade civil, o projeto proporciona maior clareza aos investidores e players internacionais com eventual interesse no mercado brasileiro, seja como empresários do setor de seguro, resseguro, intermediação e conexos, seja como investidores, segurados ou beneficiários que utilizam o serviço de seguro. Para todos ficaria mais fácil compreender o funcionamento do nosso mercado, assim como entender as razões de decidir dos juízes nos casos concretos.

O comprometimento e a vocação do texto não é outro que a continuidade da maturação e do desenvolvimento do mercado local de seguros, para que este não apenas alcance uma posição mais competitiva em relação aos seus concorrentes regionais e globais, mas, sobretudo, possa fortalecer-se a ponto de ampliar-se internamente e, assim, fomentar o desenvolvimento nacional.

O projeto sela as bases para a maturação do mercado interno a partir de uma perspectiva de defesa da máxima concorrência entre as empresas e da manutenção da abertura do mercado segurador. Já em seu artigo primeiro nota-se este compromisso, na medida em que estabelece que a atividade seguradora deve ser exercida de modo que se viabilizem os objetivos da República, os fins da ordem econômica e plena capacidade do mercado interno. Com efeito, acertadamente estabeleceu a competência da Justiça brasileira para a composição de litígios relativos aos contratos de seguro celebrados no País. Trata-se, na crueza, do estabelecimento de padrões de economicidade e previsibilidade, sem os quais o florescer das relações negociais e a ampliação de investimentos ficaria prejudicado.

A exigência, pelo projeto, sob pena de nulidade, de que os contratos sejam redigidos em língua portuguesa também objetiva a consolidar procedimentos e ampliar a comunicação entre as partes envolvidas nos contratos de seguro. Outra vantagem é a definição de um padrão, que certamente facilitaria eventual monitoramento e ação fiscalizatória dos instrumentos por parte da Susep, assim como se prestaria a tornar mais célere o andamento de questões submetidas ao Poder Judiciário.

De volta aos dispositivos da proposta que marcam a intenção do legislador em proporcionar maior segurança jurídica às partes contratantes de seguros no Brasil, encontra-se o enfrentamento de questão fundamental: o da inserção de cláusulas compromissórias em contratos de seguro. A proposta estimula a resolução de litígios por meios alternativos, mas exige que sejam efetivamente pactuadas. Com isso, esvazia-se qualquer discussão acerca do consentimento, o que diminuiria substancialmente discussões acerca da validade e executoriedade de cláusula compromissória em contratos de seguro.

Igualmente, o ganho com o estabelecimento do foro no Brasil nas questões arbitrais, com a definição de submissão do procedimento às regras do direito brasileiro, é de segurança jurídica. O custeio de arbitragens no exterior ou segundo cultura jurídica estranha é muito oneroso e inviabiliza o uso da arbitragem para praticamente todas as médias e pequenas empresas, assim como para as pessoas físicas, conduzindo ao “abandono do direito”. O tema encontra crítica por parte de setores que argumentam não ser o procedimento brasileiro tão eficiente. Ora, a competição regulatória – caracterizada pela competição entre diferentes nações pelo modelo mais eficiente, ou que privilegie setores específicos – é saudável, e deve acontecer. Se existem procedimentos e regras internacionais mais eficientes, façamos a nossa ser mais competitiva, mas não vamos abrir mão dela.

Por esses e outros motivos, o PL nº. 29/2017, ao oferecer a segurados, beneficiários e seguradores, corretores de seguro, resseguradores e retrocessionários uma alternativa, o faz acertadamente. Ele dá ouvidos ao brado por segurança jurídica e supre a carência histórica de um marco legal adequado e capaz de garantir a conquista da segurança jurídica nesse setor primordial à economia e à sociedade brasileiras. Tudo isso sem deixar-se, contudo, embalar pelas retóricas que vez ou outra insistem em impedir a consolidação da abertura econômica e integração do mercado de seguros brasileiro ao mercado de seguros internacional. É, sem dúvida, uma Lei de Contrato de Seguro adequada ao nosso tempo.

*Ernesto Tzirulnik, advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), coordenador da comissão de juristas e técnicos que elaborou o anteprojeto de Lei de Contrato de Seguro (PLC 29/2017)

*Vitor Boaventura, advogado, membro do Instituto Brasileiro do Direito do Seguro. Secretário do Grupo de Trabalho Internacional em Regulação Estatal de Seguros da Associação Internacional de Direito do Seguro (Aida)

Fonte: Portal Estadão