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Desembargador do TJ-SP é contrário a seguro para envolvidos na Lava-Jato

Desembargador Cesar Ciampolini: “O criminoso não pode demandar direitos decorrentes de atividade criminosa”.

O teor do voto de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em um processo sobre arbitragem deixou em alerta empresas que precisaram acionar o seguro de responsabilidade civil, conhecido como D&O, para cobrir gastos com a Operação Lava-Jato. Cesar Ciampolini, ao se manifestar em julgamento na 1ª Câmara de Direito Empresarial, entendeu que permitir a cobertura quando há, de forma assumida, ligação com corrupção seria o mesmo que admitir a existência de um “seguro-propina”.

Para ele, o Judiciário não pode atender a esse tipo de pedido, da mesma forma como também não poderia abrir as suas portas para, por exemplo, recolhedores de apostas contra o banqueiro do jogo do bicho ou mesmo a traficantes em litígio contra o chefe do tráfico. “O criminoso não pode demandar direitos decorrentes de atividade criminosa”, afirma.

Essa é a primeira vez, segundo especialistas, que um desembargador se manifesta de forma tão contundente sobre o assunto. Apesar de o colegiado não ter entrado no mérito – e a decisão da Câmara ter ficado restrita à discussão relacionada à arbitragem -, o voto de Ciampolini pode sinalizar como será o posicionamento do TJ-SP nas discussões que tratarem diretamente sobre o assunto.

“Estamos diante de um excelente precedente para as seguradoras”, diz uma fonte. “Elas vêm negando a cobertura de casos relacionados à Lava-Jato e as empresas têm recorrido ao Judiciário e à arbitragem. São discussões recorrentes”, acrescenta.

O D&O (do inglês Directors and Officers) costuma ser contratado pelas empresas, de maneira geral, para dar cobertura aos atos de gestão dos seus executivos. Esse seguro é usado para cobrir os custos de defesa nos processos que são ajuizados contra os profissionais e também para as indenizações a terceiros nos casos de condenação.

O caso analisado pelo TJ-SP envolve uma disputa entre a Galvão Participações e a Fairfax Brasil Seguros Corporativos (apelação nº 1011986-32.2017.8.26.0100). A construtora alegava que o contrato com a seguradora previa a resolução dos conflitos na arbitragem e tentava a intervenção do Judiciário para definir questões procedimentais (como a câmara que trataria do caso).

Conforme consta no processo, a Galvão buscaria na arbitragem a cobertura do seguro a um de seus ex-diretores, Erton Medeiros da Fonseca. Isso porque a seguradora, ao ser acionada pela empresa, afirmou que não faria o pagamento. A justificativa foi a de que havia no contrato cláusula prevendo a exclusão da cobertura no caso de se verificar conduta criminosa por parte do segurado.

O processo de sinistro – que deveria ser custeado pela seguradora – está relacionado à ação penal nº 5083360- 51.2014.404.7000, interposta pelo Ministério Público Federal contra dirigentes da Galvão Engenharia no âmbito da Operação Lava-Jato. A seguradora sustenta no processo que Erton Medeiros da Fonseca, a quem seria direcionada a cobertura, teria reconhecido em depoimento ao Ministério Público Federal, no ano de 2014, pagamentos ilícitos em razão do receio da construtora de sofrer retaliação na Petrobras.

A Galvão Participações havia obtido decisão favorável para levar o caso à arbitragem na primeira instância. A Fairfax, então, recorreu ao tribunal. Antes da manifestação do desembargador Cesar Ciampolini, o julgamento estava empatado em dois votos em favor da construtora e dois contrários.

Os magistrados, até então, haviam se manifestado somente sobre a possibilidade de se instaurar o procedimento arbitral, a partir da análise da cláusula contratual, sem entrar na questão de fundo, que tratava justamente sobre a cobertura do seguro.

Ciampolini se posicionou sobre os dois assuntos. No desempate, tornou vencedor o entendimento de que o caso não deveria ser levado à arbitragem e antecipou que, se o pedido de pagamento for feito ao Judiciário, deverá ser negado. O desembargador sustentou em seu voto que o direito de ação está condicionado a um motivo legítimo e, sendo assim, deve-se observar a “licitude do objeto”.

“Seria concebível que o juiz mandasse citar o réu numa ação de cobrança de dívida de jogo? Ou em reclamação trabalhista movida pelo criminoso contra o chefe da organização criminosa?”, observou. Ele citou uma série de julgamentos, tanto na Justiça do Trabalho como no próprio tribunal, em que foram negados pedidos de reclamantes porque os magistrados os consideraram ilícitos.

O direito constitucional de acesso à Justiça, acrescentou o desembargador, não está sendo contrariado. “A parte é livre para bater às portas dos Pretórios. O processo será, todavia, encerrado prematuramente pelo juiz, com evidente economia de tempo e despesas se, à toda a evidência, o fim visado pelo autor não pode ser alcançado”, afirmou no voto.

A Fairfax foi representada no caso pelo escritório Dinir, Reiff Sociedade de Advogados, que preferiu não se manifestar sobre o processo. Do lado da Galvão Participações, os advogados que a representaram no processo também foram procurados pela reportagem e também não quiseram se pronunciar.

Antes da Lava-Jato não havia quase discussão sobre o D&O. Tratava-se de um seguro raramente acionado, recorda o advogado Ernesto Tzirulnik, que atua há 34 anos na área de seguros. “Tinha taxas baixas, dava resultados maravilhosos e comissões nababescas para intermediários corretores. Ninguém fazia provisão porque não existia praticamente sinistro”, afirma.

Só que, de uma hora para outra, chama a atenção, “sinistrou” praticamente tudo. Hoje, no seu escritório, o D&O está entre as principais demandas. “Houve uma judicialização da responsabilidade civil do administrador de empresas de características catastróficas e o mercado de seguradoras se defende negando as coberturas. Porque a tendência, se for pagar todas as indenizações solicitadas, é quebrar.”

Ernesto Tzirulnik entende, no entanto, que é preciso distinguir as funções do seguro. Segundo ele, são duas: uma é a garantia do custeio da assistência jurídica ao executivo e a outra, no caso de condenação, o pagamento devido pelo segurado a um terceiro prejudicado. “É importante separar porque as coberturas são diferentes”, pondera o especialista.

A primeira situação, diz, estaria amparada pelo artigo 757 do Código Civil. Consta no dispositivo que o seguro garante o legítimo interesse do segurado. “O direito à defesa é legítimo e está previsto na Constituição. Mesmo as pessoas que têm culpa têm o direito de se defender”, observa. Por esse motivo, para ele, a seguradora deveria cobrir os custos.

Haveria discussão, por outro lado, na visão do advogado, em relação à condenação do executivo. Se a decisão judicial confirmar que houve dolo, ou seja, que ele teve a intenção de praticar o ilícito, não poderia, então, ser indenizado pela seguradora. Mas poderia pleitear o pagamento se a Justiça entendesse que ele não agiu de forma dolosa.

Texto: Por Joice Bacelo
Foto e fonte: Portal Valor Econômico