Início/Notícias/Fintechs: o desafio de regular sem asfixiar a inovação

Fintechs: o desafio de regular sem asfixiar a inovação

Reguladores devem permanecer conscientes dos seus objetivos e sensíveis às circunstâncias particulares de nossos mercados.

O comunicado conjunto da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, do Banco Central, da CVM e Susep, de 13 de junho de 2019, tornou pública a intenção de implantar um regime de sandbox regulatório nos mercados financeiro, de capitais e securitário brasileiros.

As sandboxes regulatórias surgiram no espectro dos reguladores financeiros de todo o mundo como uma alternativa para a regulação das fintechs, que são as empresas atuantes no segmento de prestação de serviços financeiros e que aplicam tecnologias disruptivas aos seus modelos de negócios. A ferramenta proporciona a criação de um ambiente controlado, no qual as empresas podem testar as suas soluções e produtos sem a obrigatoriedade de se submeterem aos elevados custos de registro e adequação aos padrões de funcionamento exigidos pelos reguladores.

Além disso, ao se considerar que a disrupção trazida pelas fintechs interessa aos consumidores tanto quanto o interessa aos reguladores, conclui-se que a sandbox constitui-se como uma verdadeira alternativa protetiva para essas empresas, que passam a contar com uma ferramenta a evitar que sejam asfixiadas pelas necessárias, porém não menos hostis barreiras regulatórias. No caso de a experiência ser exitosa, a empresa participante passa a ter uma importante vitrine, que pode auxiliá-la na captação de investimentos a viabilizar não apenas o seu registro, mas também o início das suas atividades.

Imagine-se, por exemplo, uma fintech que acaba de criar um produto extremamente inovador, com real potencial disruptivo, mas que não dispõe dos necessários recursos para se registrar perante os órgãos reguladores. Eis que se chega à uma questão fundamental: como fomentar o desenvolvimento de novos serviços e produtos que sejam mais eficientes sob a perspectiva do interesse aos consumidores, sem abrir mão das exigências regulamentares que obstam a realização de tal potencial inovador?

A pergunta faz ressoar antiga e complexa questão, diuturnamente enfrentada ao longo da história da interação do homem com as novas tecnologias: como regular a inovação sem asfixiá-la? Por vezes normativa, como quando a expansão da aviação comercial fez necessária a Convenção de Chicago para regular o espaço aéreo internacional, a inovação por vezes também urge a criação de novas ferramentas de regulação, como é o caso com a sandbox.

O compromisso por parte dos reguladores brasileiros ao manifestar o seu plano de adotar o regime da sandbox regulatória no Brasil é positivo ao oferecer às fintechs atuantes nos mercados financeiro, de capitais, e securitário (também conhecidas como insuretechs) uma interessante alternativa liberatória dos elevados custos de adequação à regulação tradicional.

Todavia, contra o sucesso na implantação da sandbox pesam (i) o contexto orçamentário restritivo; (ii) a necessidade de que os quadros técnicos das autarquias reguladoras se familiarizem com a nova ferramenta em um curto espaço de tempo; (iii) o risco sensível de captura regulatória, entendida como o processo pelo qual a regulação, seja na sua dimensão normativa ou na sua aplicação, é continuamente aplicada em contrariedade ao interesse público e de acordo com os interesses do setor regulado, como resultado da ação intencional dos agentes desses agentes destinatários da regulação; (iv) a preocupante tendência, resultante do quadro de excessiva concentração econômica no setor financeiro, que força os novos entrantes a integrarem a cadeia de valor dos atores tradicionais, limitando a sua capacidade de efetivamente competir com eles.

A experiência do Reino Unido, país que se encontra entre os pioneiros na adoção da ferramenta, mostra que a principal garantia de sucesso na implantação da sandbox está na formulação de critérios claros e transparentes para a participação, assim como o compromisso com as ideias genuinamente inovadoras.

Por exemplo, a utilização da sandbox da Financial Conduct Authority (FCA) está condicionada ao atendimento de cinco critérios claros e objetivos: (i) a empresa deve estar dentro do escopo determinado pelo regulador; (ii) a empresa deve pretender oferecer um produto ou serviço genuinamente inovadores, particularmente distintos daqueles já disponíveis ao mercado; (iii) o produto ou solução propostos devem apresentar um ganho potencial aos consumidores; (iv) a empresa deve comprovar a necessidade de utilizar a ferramenta; (v) a empresa deve demonstrar que, quando analisadas em perspectiva, as suas decisões prévias à utilização da sandbox, inclusive as decisões de investimento, foram orientadas pela busca de aprimoramento da solução ou produto inovador, de mitigação de riscos e da compreensão das normas e regulações aplicáveis à sua atividade.

Igualmente, no Brasil é preciso que se criem critérios objetivos de acesso e participação que privilegiem os agentes da inovação. Outros antídotos para que o modelo de sandbox regulatória do Brasil não caia em nenhuma armadilha passam pelo: (i) o estabelecimento de canais efetivos de prestação de contas por parte dos reguladores; (ii) o desenvolvimento de mecanismos de participação permanentes da sociedade civil durante todo o processo, desde a fase de estruturação da sandbox, até a sua efetiva implantação. Recentemente, por exemplo, a FCA publicou um convite a contribuições de um amplo espectro de empresas, think tanks, consumidores, organizações de consumidores, entes governamentais e outros reguladores sobre a necessidade e oportunidade de se formarem sandboxes intersetoriais.

Na busca pela realização do desafio de regular as fintechs sem, contudo, asfixiá-las, os reguladores brasileiros devem permanecer, ao mesmo tempo, conscientes dos seus objetivos e sensíveis às circunstâncias particulares de nossos mercados e sociedade.

VITOR BOAVENTURA – Advogado, sócio de ETAD – Ernesto Tzirulnik Advocacia

Fonte: Portal Jota / Veja o link aqui.