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Carta a um jovem advogado securitário

Os critérios de apólices são dos textos mais mal formulados do mundo dos negócios.

Quando começamos nosso exercício profissional tendemos a admitir que os clientes têm razão sempre. Somos, num mundo muito competitivo, levados a bajulá-los – tememos perdê-los – e a assumir que viemos ao mundo para defendê-los em quaisquer circunstâncias, pouco importando o terreno que, a longo prazo, nossa atuação irá sedimentar para suportar o edifício da vida — da nossa, dos nossos descendentes e de toda a nossa sociedade.

Se com a aceitação de tudo ocorre de alguns conseguirem ganhar dinheiro, no fim perde-se a liberdade e o sentido. Talvez, o mais importante ensinamento que Dom Quixote transmite para Sancho Pança, após serem hospedados com luxo e terem retomado o difícil caminho de sua luta, é o de que “la libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierra la tierra ni el mar encubre; por la libertad, así como por la honra se puede y debe aventurar la vida, y, por el contrario, el cautiverio es el mayor mal que puede venir a los hombres.” (Don Quijote, Libro II, LVIII).

O exercício de qualquer profissão também é muito mais do que a aptidão, o desembaraço ou a destreza com as técnicas dessa profissão. A advocacia contribui para a formação da experiência normativa da sociedade, fazendo prevalecerem ou serem desmontadas práticas e concepções, e ter isso em mente é muito importante. Pouco importa se dificuldades iniciais são opostas a quem pensa para o futuro da sociedade e não egoisticamente para o sucesso e o conforto, imediatos e efêmeros.

O seguro talvez seja a única técnica negocial que se dedica a solidarizar as sociedades, permitindo que as necessidades econômicas sejam protegidas e, assim, estimulando a liberdade e a audácia. Isso mesmo, somos construtores da liberdade e da ousadia – sem a qual são represados as inovações tecnológicas e os empreendimentos em geral. O seguro deve perseguir isso sempre. É para isso que ele vale a pena.

Assim, é fundamental que os jovens tenham desconfiança sobre o que encontram pela frente, procurem sempre questionar suas crenças técnicas, estejam atentos para o sistema civil e constitucional como um todo, não deixando que estes se divorciem, formem-se com solidez e autocrítica diuturna.

Não há cliente, juiz ou adversário que, mais cedo ou mais tarde, deixe de respeitar e dar mais atenção àquele que se forma e atua com independência, curiosidade e caráter firme.

Quando defendemos critérios de apólices, que são dos textos mais mal formulados do mundo dos negócios, temos de levar em conta onde é que esses critérios irão conduzir a sociedade. Propiciam a liberdade ou encarceram? Promovem o desenvolvimento do nosso país ou o retardam? Confirmam as expectativas das partes ou surpreendem-nas e desequilibram verdadeiramente a relação?

Aí, pelos caminhos mais demorados e difíceis, está a longevidade de cada profissional, assim forjam-se as verdadeiramente boas famas.

Ernesto Tzirulnik – Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP-SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro e coordenador da CEAAP/LCS/IBDS – Comissão de Elaboração e Acompanhamento dos Anteprojetos e Projetos de Lei de Contrato de Seguro 3.555/2004, 8.034/2010, 477/2013, PLS 8.290/2014 e PLC 29/2017.

Fonte: Portal Jota